Toda A Mente É Danada (3)
Vi-o avançar para mim com um revólver na mão e tentar abrir a porta do carro. Bati-lhe com ela e ele caiu ao solo, largando a arma que trazia. Antes que ele esboçasse qualquer gesto saquei a minha automática e disparei.
A bala da Luger de 1943 atingiu o digníssimo ASCJIM na cabeça e atirou-o para trás. Vincent Greenaway sentiu-se confuso e ficou a olhar para a mão gorda que segurava a arma. Onde estava Elder Pramitt?
Elder Pramitt olhou para si, mesmo à sua frente, e depois olhou para a moderna automática que tinha na mão. Não gostou do que viu, nem dos anéis que ornavam os dedos, nem da arma que segurava. Os anéis podiam esperar, mas a arma não! Esboçou o gesto de a atirar para longe.
Wilbur Teeling viu-se no chão, sob a mira de uma automática, e um medo de morte tomou conta dele. Não notou o doce odor dos pinheiros quando esticou o braço para apanhar a arma que estava ao seu lado no asfalto.
Disparou sem olhar, o medo ocupando todo o seu ser e tomando conta dos seus movimentos. O corpo inerte de Walter Scherer estremeceu quando o projéctil o atingiu.
- Mister Teeling, você matou-o!! Você matou o ASCJIM!
Martin não entendera o motivo, mas vira claramente o seu patrão alvejar o Administrador por duas vezes. Disso não tinha dúvidas!
- O que foi que eu fiz, Martin?! – os guarda-costas de Walter Scherer manietaram rapidamente um Wilbur Teeling confuso, sem saber bem o que acontecera. Wilbur deixou-se levar pacificamente, não tirando os olhos do corpo ensanguentado de Walter Scherer. Teria sido tão bom se ele tivesse comprado a arma...
Ele disparara sobre uma pessoa, mas essa pessoa não era Elder Pramitt. Elder estava na sua frente e apontava-lhe uma arma. A sua não a tinha e não fazia ideia do que lhe havia acontecido.
- Ouça, desconhecido! Você vai contar-me tudo, e vai contar-me agora! Não sei lá muito bem como a nossa situação se inverteu, mas isso não me interessa. Porque anda a seguir-me? Quem é você?
Achou melhor contar-lhe a verdade, obedecer-lhe em tudo. Pelo menos enquanto tivesse uma arma apontada.
- Chamo-me Vincent Greenaway, sou sargento do corpo de polícia e tinha como missão vigiá-lo. Não sei porque motivo, nem tinha de saber. Pode explicar-me agora como é que a minha pistola desapareceu?
- Fui eu que a atirei para o mato.
- Você?!
- Sim, quando estive no seu corpo.
Seria mesmo polícia ou estaria a mentir-me? Resolvi acreditar nele de momento. Expliquei-lhe o que me acontecera já por várias vezes.
- Já me aconteceu o mesmo, mas não foi a si que eu fui parar. Foi numa das transferências que descobriu que eu o seguia?
- Sim, na segunda. O que me intriga é que desta vez consegui controlar os seus movimentos!
- Não sentiu ninguém mais, não foi? Apenas você no corpo de outra pessoa.
- Partindo da premissa de que não estamos os dois loucos, o que terá provocado tudo isto?
Greenaway sentou-se numa rocha.
- Não faço ideia, mas tenho a certeza de que disparei sobre alguém com a mão de outra pessoa. Acertei-lhe na cabeça...
- A mesma pessoa que apanhou a minha arma? Seria essa pessoa que eu vi no meu corpo? – Greenaway encolheu os ombros.
- Posso procurar a minha arma, isto é, se você me disser para onde a atirou?
- Procure atrás desse arbusto. – falei mais alto quando ele se afastou – Teve tempo de ver onde estava?
- Era uma espécie de armeiro, um armeiro de luxo. Havia muitas armas de diversas épocas em mostruários de veludo. Encontrei-a! Vamos embora daqui, Pramitt?
- Vamos no meu carro, o seu não consegue sair daqui sozinho. Já é o segundo em poucos dias, ehm?
- Ele era gordo...
- Como?!
- Estou a dizer que ele era gordo, muito gordo. E usava uma peruca empoada.
- E provavelmente a esta hora está preso. – o Plymouth arrancou com suavidade.
- Provavelmente a esta hora está morto...
Olhei para ele sem perceber.
- Esta semana existe pena de morte para homicídios...
Não lhe disse nada e fixei o meu interesse na estrada. Durante todo aquele tempo não passara ninguém.
O café estava bem forte, como Phoebe o gostava de fazer. Vincent olhava taciturno para a imagem holográfica da televisão e eu olhava para Phoebe, sem saber o que fazer ou dizer.
Alguém nos usara para cometer um homicídio, um crime cometido um pouco por cada um de nós sem o sabermos. Eu e Vincent reconstituíramos toda a sequência ao longo das transferências através do que cada um de nós vira e fizera. Mas como fora tudo aquilo possível, quem era suficientemente poderoso para manipular as mentes dos outros?
- Mais café, Elder?
- Obrigado Phoebe. – estendi-lhe a minha caneca – E tu, Vincent?
Vincent não me ouviu, tinha o olhar fixo na imagem da holo-TV e tentava aumentar o volume do som com o comando.
"-...A execução seguiu o rito usado na França do século XVII. O instrumento que vêem agora tem o curioso nome de guilhotina e é verdadeiramente eficaz." – a imagem mostrou a execução. Seria difícil juntarmos novamente a cabeça do desgraçado ao corpo e arrancar-lhe a sua parte da história.
- Era ele?
Vincent Greenaway confirmou com a cabeça.
- A menos que hoje tenham executado dois sujeitos gordos...
- Não ouvi o princípio da notícia.
- Estava noutro canal; vou requerer a repetição ao serviço noticioso. – Phoebe tirou o comando a Vincent e digitou a sequência adequada. As letras pairaram no ar: a partir do momento em que aceite esta transmissão, ela ser-lhe-á cobrada à taxa de 5 W$ cada 10 segundos. Indique o modo de cobrança.
Depois de Phoebe dar a indicação à máquina a notícia foi repetida:
- "O cidadão Wilbur Teeling, comerciante de armas antigas, foi hoje executado pelo assassínio do digno Administrador do Sistema Computacional de Justiça e Imposições Morais, Walter Scherer. O homicídio foi cometido no estabelecimento de Mr. Teeling, que recebera a honra de ser visitado pelo ASCJIM, conhecido coleccionador de armas. Não se conhecem os motivos pelos quais Mr. Teeling cometeu tal acto, mas o crime foi dado como provado e o acusado foi executado, pois a pena de morte para tais crimes está em vigor durante esta semana. A execução seguiu o rito usado..." – Phoebe desactivou o aparelho, aquele pedaço já o conhecíamos.
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